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ONDE ENCONTRAR DEUS?

Foi bastante conhecido em sua época —primeira metade do século XX — o livro “Deus existe: eu O encontrei”, de um conceituado cirurgião, tão competente quanto… ateu. Ateu até a hora em que “encontrou” a Deus.

Como o encontrou?

Encontrou-O ao realizar uma complexa cirurgia, na qual lhe ficou evidente que a ordem e harmonia do corpo humano não podiam ser obra do acaso. “Não é possível que Deus não exista!” — dizia o ex-ateu diante da evidência.

Nos nossos dias agitados, entrecortados de problemas, violência, guerras, etc, como podemos encontrar a Deus, no qual encontraremos “repouso para nossas almas”? (Mt 11, 29)

Podemos encontrá-lO quando procuramos deixar um pouco o bulício do dia a dia, fazemos cessar o brouhaha das ocupações e… ficamos em silêncio, longe dos celulares, internet, tv, etc. Ali, no silêncio, Deus nos aguarda.

Pois “quando Deus quer se unir intimamente a um homem e lhe falar ao coração, Ele o conduz à solidão. Se se trata de um homem chamado à vida religiosa contemplativa, Deus, para realizar o seu desejo, começa por separá-lo do mundo”.(1)

SÃO CHARBEL MAKHLOUF

A vida do santo que a Igreja comemora hoje — São Charbel Makhlouf — é um exemplo disso. Vejamos uns breves traços de sua vida.

São Charbel Makhlouf

São Charbel nasceu em 1828, no Líbano, país de escarpados montes cujas maravilhas são inúmeras vezes proclamadas na Sagrada Escritura. Sua aldeia natal, Beqaa Kafra, fica à sombra dos famosos cedros, centenários, símbolo do país.

Youssef — esse era seu nome de nascimento — perdeu o pai ainda muito cedo, tendo a mãe deixado os filhos aos cuidados de um tio destes. Embora Youssef fosse a caçula, dava aos irmãos o exemplo nas tarefas domésticas, no vigiar os animais no pasto e, sobretudo, nos atos de piedade. Recitava diariamente as orações com a família, e era exímio em manter-se recolhido na igreja durante a Missa e demais cerimônias.

Aos 23 anos deixou o lar e ingressou no Mosteiro de Nossa Senhora, em Maïfuq, onde adotou o nome de Charbel, em louvor ao santo mártir de Edessa, do segundo século.

Convento de São Maron – Annaya – Líbano

Seu desejo de isolar-se do mundo não encontrou ambiente propício nesse mosteiro, razão pela qual retirou-se para o convento de São Maron de Annaya, a quatro horas de caminhada.

Ali reiniciou o noviciado, separado do mundo por uma severa clausura, observando a regra que o guiava nas vias da contemplação, do recolhimento, da oração e da obediência. Após os necessários estudos, recebeu a ordenação sacerdotal em 1859.

Celebrava o Santo Sacrifício com a máxima dignidade e com viva fé. Com frequência, durante a Consagração, as lágrimas corriam-lhe dos olhos. Durante as horas de contemplação ficava de tal modo absorto que não prestava atenção alguma ao que se passava em seu redor.

Modelo de obediência

Desde o tempo de noviciado até seu último alento, destacou-se como monge exemplar na obediência e na observância da Regra. A ponto de, quando o Superior ordenava a um monge fazer algo muito penoso, era frequente ouvir uma resposta do tipo:

— Pensa o senhor, por acaso, que sou o padre Charbel?

Cedro do Líbano

O dom de fazer milagres

Teve o dom de fazer milagres, e o exerceu com sua costumeira humildade.

Certa vez, uma pobre mulher, cuja enfermidade resistia a todos os tratamentos, encarregou um mensageiro de entregar ao padre Charbel determinada quantia e pedir-lhe a cura.

O padre Charbel pegou, então, um dos véus, que estava na imagem de Nossa Senhora do Rosário, e o entregou ao mensageiro, dizendo:

— Que a mulher se cinja com este véu, e ficará curada. Quanto à esmola, coloque-a sobre o altar, o padre provedor irá tirá-la.

E a mulher ficou curada.

Como este, haveria inúmeros milagres obtidos pela sua intercessão ainda em vida.

Na solidão da ermida

Os superiores, vendo que a solidão o atraía, transferiram-no para uma ermida a pouca distância do mosteiro. Ali permaneceu até o dia de sua morte, ocorrida 23 anos depois.

Sua oração era apenas interrompida pelo cultivo da vinha e outros trabalhos manuais, durante os quais mantinha o mesmo recolhimento.

Desse recolhimento provinha sua paz de alma que se pode contemplar na fotografia ilustrativa deste post. Tem esta foto uma origem prodigiosa: um grupo de peregrinos em visita a seu túmulo, ao ter revelado a mesma, vê, com explicável agrado e surpresa, São Charbel aparecer entre eles.

Natal: nascimento para a vida eterna

Quando celebrava a Missa no dia 16 de dezembro de 1898, no momento em que comungava o Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, teve um mal repentino o deixou paralisado, sem poder concluir o Santo Sacrifício.

Oito dias depois, na vigília do Natal, enquanto a Igreja comemorava a vinda ao mundo do Menino Jesus, nasceu para a eternidade.

Urna contendo o corpo incorrupto de São Charbel

Seus restos mortais foram sepultados em uma vala comum como de costume no mosteiro. Posteriormente ao serem transferidos para a cripta da Igreja de São Maron, o corpo estava milagrosamente íntegro e flexível, transpirando um líquido avermelhado de agradável odor. Esse líquido operou incontáveis curas, muitas das quais claramente miraculosas. Quando o túmulo foi aberto em 1950, 1952 e 1955, constatou-se que o corpo permanecia flexível e incorrupto.

Sua modelar vida monástica e os numerosos milagres realizados pela sua intercessão levaram o Papa Paulo VI a beatificá-lo em 5 de dezembro de 1965 e a canonizá-lo em 10 de outubro de 1977.

Exemplo também para nós

O exemplo de São Charbel Makhlouf indica um caminho também nos dias de hoje, pois o silêncio e a oração constituem um valioso auxílio para solucionar as angústias e aflições do homem contemporâneo.

Engana-se quem pensa que o recolhimento é privilégio exclusivo dos religiosos de clausura. Ele está ao alcance de todos nós, pois “a fonte da verdadeira solidão e do silêncio não está nas condições ou na qualidade do trabalho, mas sim no contato íntimo com Deus […] O silêncio, assim entendido, pode encontrar-se na rua, no estrépito do trabalho da fábrica, nas atividades do campo, porque é levado dentro de nós”.(2)

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(1) Pe. M. Bruno, OCSO, Le silence monastique, Imprimerie de L’est, Besançon, 1954, p. 4.

(2) Pe. Antonio Royo Marín, OP, La vida religiosa, BAC, Madrid, 2ª ed. 1968, p. 4.

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(Condensado e adaptado do artigo “Paz de alma, silêncio e solidão” de autoria por Raphaela Nogueira Thomaz, revista “Arautos do Evangelho”, nº 91 de julho de 2009, p. 34-36. Para conhecer o exemplar deste mês da revista Clique aqui)

Ilustrações:Arautos do Evangelho, www.saintcharbel-annaya.com, WordPress