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QUARESMA DE 930 ANOS

Assustado pelo que acabara de acontecer e atônito com a fuga inesperada dos animais afastando-se apavorados, um jovem casal triste e desconsolado caminhava sem rumo.

Em certo momento voltaram-se e, pela última vez,  olharam  o lugar onde haviam vivido. Era um verdadeiro jardim adornado de pedras multicores, translúcidas e luminosas, colinas encantadoras, ladeadas de altas árvores das quais pendiam flores ou frutos. Avistavam prados cor de esmeralda reluzente, rios mais parecidos com torrentes de cristal líquido e muitas outras maravilhas.

Após longa caminhada, chegaram  ao sopé de um alto monte, perto de Jerusalém. Olharam do local de onde estavam, com tristeza e remorso, os últimos raios de sol por trás de nuvens cor de ouro flutuando sobre as colinas longínquas. Era a última vista do belíssimo jardim no qual não mais entrariam devido a sentença recebida.

Fez-se noite. O casal sentia um frio nunca antes experimentado. Um forte vento — bem diferente das brisas do jardim — parecia querer chicotear os rochedos e deslocar as pedras: uma tempestade estava prestes a desabar.

Com medo, procuraram abrigo numa pequena caverna aberta nas rochas. Pouco depois de ali entrarem ouviram o rugido de um animal selvagem. Calafrio… Suas vidas poderiam ter fim de um momento para outro.

Pela primeira vez sentiam também o cansaço. Exaustos pela longa caminhada, com sede, fome e o pó misturado ao suor de seus corpos lhes davam um extremo mal estar.

Arrasados, curvados pelos sucessivos infortúnios, sentiam na própria carne a extensão da falta cometida. Arrependidos, ajoelharam-se nas brutas pedras da caverna, prostrando-se humildemente por terra. Choravam, choravam e choravam! As lágrimas corriam pela face dos dois e caiam no chão empoeirado, quando, de repente, um raio de luz cortou a escuridão.

Seria a luz de um relâmpago, indicando a tempestade que está para chegar? Não. Era outro tipo de luz. A mesma luz descida com a brisa no Paraíso quando Deus lhes aparecia. Que surpresa!

Seria Deus mesmo, perguntava-se Adão — era esse o nome do homem…

Lembrou-se das graças recebidas nas conversas com Deus ao passear com ele às tardes no Paraíso. Os corações dos dois pulsaram mais rápido. Não sentiam mais o cansaço nem o mal estar.

Sim! É Deus mesmo — exclamou Adão!

De uma maneira discreta, mas ao mesmo tempo grandiosa, junto com os raios de luz, aparecia Deus com a face luminosa e bondosa, de um velho ancião com cabelos e barba branca como a neve. Era mesmo Deus. Trazia naquela fisionomia afetuosa o indício da ajuda paterna.

Adão recobrou o ânimo. A alegria transpareceu-lhe no rosto; desde o pecado original não mais a havia tido. Os dois — ele e Eva — mal acreditavam no que estavam vendo.

Era Deus! Vinha visitá-los, não mais no Paraíso como antes, mas desta vez, no “vale de lágrimas”. Era a Misericórdia triunfando sobre o juízo:

No futuro lhes enviarei meu próprio Filho. Ele será seu descendente e reparará tua falta e abrirá as portas do céu, fechadas pelo pecado, para ti e teus descendentes.

*  *  *  *

A Sagrada Escritura afirma ter Adão vivido 930 anos, durante os quais fizera penitência. Foi uma penitência — digamos, uma Quaresma — à espera da vinda do Redentor.

Que belo exemplo para nós! 930 anos de penitência, não apenas quarenta dias!

Façamos nós algo que está a nosso alcance: ofereçamos não somente esses preciosos dias da Quaresma, mas toda nossa vida. Sejamos dignos filhos desse Deus misericordioso. Com com isso, podemos adiantar a vinda do Reino de sua Mãe Santíssima sobre a terra e o triunfo do Imaculado Coração de Maria prometido em Fátima.

André Luiz Soares

 

Ilustração: Gustavo Krajl (Arautos do Evangelho)