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Coisas que ninguém pergunta

Numa conversa, um jovem amigo externou uma dificuldade: estava a ler o documento no qual o Papa Pio XII proclama o dogma da Assunção de Nossa Senhora aos céus, e deparou-se com a frase central da proclamação: “… pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a Imaculada Mãe de Deus, a Sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”. (1)

Como católico ele aceitava plenamente essa verdade, pois o Sumo Pontífice, atendeu todas as condições para uma declaração infalível:

— O Papa, em sua declaração, preencheu todas as condições para seu pronunciamento ser infalível: dirigiu-se à Igreja universal, proclamou “ex-cathedra”, ou seja, no seu ofício de pastor e mestre de todos os cristãos, fez uso de sua suprema autoridade, declarou o desejo de definir uma doutrina sobre fé e costumes, a ser aceito por todos os católicos (2) Uma coisa, entretanto, não me ficou clara:

O Papa diz “é dogma divinamente revelado”. Mas, fui procurar nos Evangelhos, Atos dos Apóstolos e Epístolas e não encontrei.

Tentei esclarecer:

Papa Pio XII proclama o dogma da Assunção

— A fonte da Revelação divina não é só a Bíblia. São João termina o seu Evangelho dizendo que, se fosse narrar tudo, nem o mundo inteiro poderia conter os livros a serem escritos. (Jo  21, 25). Talvez você não esteja lembrado: as fontes da Revelação são duas, a Bíblia e a Tradição. A tradição é a transmissão oral feita inicialmente pelos que conviveram com Jesus, com Maria Santíssima, os Apóstolos e discípulos.

Veja por exemplo, uma coisa simples: onde está escrito na Bíblia que o Evangelho de São Mateus foi escrito por ele? O mesmo se pode perguntar sobre os outros Evangelhos. Quem transmitiu a autoria dos Evangelhos foi a tradição oral na Igreja Católica, então nascente. Como esse, vários outros dados sobre a Bíblia foram transmitidos por via oral, ou seja, pela tradição.

— É verdade… Não tinha pensado nisso.

— Veja um ponto — entre muitíssimos outros — onde se verifica a tradição oral. E dito pelos lábios virginais de Maria! Na Anunciação do Anjo, só Ela estava presente. Só podia ser Ela quem transmitiu o fato. O mesmo podemos dizer do Nascimento de Jesus, de sua apresentação no Templo, da fuga para o Egito, da visita a Santa Isabel e o canto do Magnificat, da perda e encontro do Menino Jesus no templo, etc. A fonte primeira desses fatos é a Santíssima Virgem, única testemunha ocular. Ela os transmitiu aos evangelistas diretamente ou por meio de outros.

— Quer dizer, a Assunção…

— … foi presenciada pelos Apóstolos e discípulos e transmitida por eles às gerações seguintes. Seria, mais ou menos, o seguinte: por que acreditamos ter sido Cabral quem descobriu o Brasil e chegou em tal lugar? Além de documentos, houve a transmissão oral. Vários fatos registrados pela História, só foram postos por escrito posteriormente, com base em testemunhas oculares da época.

O mesmo se dá com a transmissão oral que constitui a Tradição. Por isso a Tradição oral é fonte de Revelação. Diz um autor merecedor de todo crédito: “os ensinamentos orais dos Apóstolos eram tão palavras de Deus como os ensinamentos que encontramos no Novo Testamento”. (3) A mesma coisa é afirmada no catecismo oficial da Igreja, publicado pelo Vaticano. (4) Ficou claro?

 

(1) Papa Pio XII, Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, n. 44, 1º de novembro de 1950.
(2) Papa Pio IX, Constituição Dogmática Pastor Aeternus, n. promulgada pelo Concílio Vaticano I em 18 de julho de 1870.
(3) Pe. Leo J. Treese, A fé explicada, Ed. Quadrante, São Paulo, São Paulo, 2010, 11ª edição, p. 468.
(4) Catecismo da Igreja Católica – (Tradução oficial revista pelo Vaticano), São Paulo, Ed. Loyola, 2001, nº 81

 

Ilustrações: Arautos do Evangelho