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Sociedade celeste, sublime meta

Poucas situações são tão dignas de comiseração quanto a do náufrago jogado pelas ondas, sozinho, na praia de alguma ilhota deserta, perdida em pleno oceano. Este pobre acidentado enfrenta então a funesta perspectiva de um número indeterminado de anos de solidão, que – historicamente – muitas vezes terminam em loucura.


Isto porque um dos instintos mais arraigados do ser humano, o de sociabilidade, move o homem a procurar viver em companhia de seus semelhantes, não apenas por uma questão de melhor qualidade de vida, mas sobretudo por uma necessidade fundamental de complementação através do convívio. Assim se formam as sociedades, cujo princípio básico de funcionamento se caracteriza pela reciprocidade: damos aos outros e deles esperamos receber.
Ora, aos poucos, pelo fato de o homem não ser um robô, do bom relacionamento dos seres humanos entre si surge como correlato, mas já com certos traços de excelência, a amizade. Em função desta, resultante de circunstâncias tão variadas quanto complexas, as pessoas se tornam capazes de agir desinteressadamente umas pelas outras, mesmo quando unidas, não por um fim sublime, mas por mera afinidade.
Entretanto, ao entrar em cena a Religião, sobretudo a fé, a amizade natural dá lugar à união sobrenatural, ou seja, aquela firmada sobre um ideal eterno.
O homem colocado neste patamar se torna capaz, não apenas de desinteresse, mas de sacrificar tudo de si por aqueles a quem ama. Somente ali, a amizade atinge sua perfeição. A história dos grandes Santos – alguns dos quais são retratados neste número – nos apresenta testemunhos vivos desta realidade, autênticos exemplos de união sobrenatural a serem imitados por nós.
A relação fundador-discípulo eleva esta união a um novo grau de excelência, pois nela se acrescenta à amizade sobrenatural, feita de desinteresse e de holocausto, a submissão na obediência à vontade de Deus manifestada através de uma pessoa unida a Ele. O elemento novo, aqui, consiste no fato de o homem, sem aniquilar sua própria vontade, renunciar espiritualmente ao livre uso dela, colocando-a inteira em Deus nas mãos de outro, reconhecido como superior a si próprio porque mais próximo do Criador.
O maior exemplo que disto a História jamais conheceu se deu em Nossa Senhora, a qual alcançou o mais glorioso cume de santidade possível numa mera criatura. O que dizer de suas amizades? Basta considerar o fato de, estando inserida por desígnio divino na união hipostática relativa, ter Ela participado desde o instante de sua concepção da altíssima e beatíssima sociedade constituída pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo…
Assim, toda sociedade humana, como também toda amizade entre os homens, deve tender para este ponto de máxima excelência, o qual se encontra ao alcance de todos aqueles que, esforçando-se por viver conforme a vontade de Deus na terra, merecerão entrar na bem-aventurança celeste. Isto, e só isto, é vida; o resto é cativeiro. Pela admiração destas realidades começaremos a fruir, já aqui embaixo, da glória lá de cima, nossa meta.

(Texto originalmente publicado na revista “Arautos do Evangelho”, nº 188, Agosto de 2017, p.5.)