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Frase: Levanta da poeira o indigente e do lixo ele retira o pobrezinho, para fazê-lo assentar-se com os nobres do seu povo.

Levanta da poeira o indigente e do lixo ele retira o pobrezinho,
para fazê-lo assentar-se com os nobres do seu povo. (Sl 11,7)

Eis uma alegoria que bem pode expressar o significado destas palavras do Salmista.

Imaginemos um camponês dos remotos tempos da Idade Média, habitando uma singela casa rural. Certo dia um emissário real anuncia que o soberano resolveu adotá-lo como filho, tornando-o assim irmão de seu primogênito, e também herdeiro. Após o primeiro instante de estupefação de seu interlocutor, ante perspectiva de honra tão extraordinária, o mensageiro continua: ‘O monarca, entretanto, quer transformar tua casa num palácio e vir morar aqui, a fim de estabelecer um relacionamento estreito e diário contigo’. De todos os privilégios enumerados, este seria, sem dúvida, o mais excelente, pois se grande é a vantagem de pertencer à família real e ser possuidor de inúmeras riquezas, muito maior é a de ser contado entre os íntimos de sua Majestade!¹

Quem poderia ser este pobre “camponês”, elevado às honras de pertencer à família do Rei e com ele beneficiar-se de um convívio tão íntimo e elevado? Ou quem seria este “indigente” e esse “pobrezinho” que se assenta com os nobres, cantado pelo Salmista?

Na realidade, esse camponês – ou esse indigente –, é cada um de nós que, tendo vindo ao mundo, concebido no pecado original, e “sob o poder do maligno” (1 Jo 5,19), recebendo o Santo Batismo, foi liberto escravidão do demônio.

Com efeito, como diz São Luís Maria Grignion de Montftort

Todo cristão, antes do batismo, era escravo do demônio, pois lhe pertencia. Na ocasião do batismo o cristão, por sua própria boca ou pela de seu padrinho e de sua madrinha, renunciou a Satanás, a suas pompas e obras, e tomou Jesus Cristo para seu Mestre e soberano Senhor, passando a depender dele, na qualidade de escravo por amor.

Esta escravidão de amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, em razão do sacramento da regeneração, nos faz príncipes, participantes da família de Deus: “Pela graça do Batismo ‘em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo’ somos chamados a compartilhar da vida da Santíssima Trindade, aqui na terra, na obscuridade da fé, e para além da morte, na luz eterna”. ³

A história desse homem simples, criada e comentada por Mons. João S. Clá Dias, EP,

é uma pálida imagem do milagre infinito que ocorre em uma criatura humana ao ser qualificada pela graça. Quando as águas do Batismo são vertidas sobre a cabeça de alguém, o pecado original é apagado, bem como todas as faltas anteriormente cometidas, e lhe é infundida a graça santificante, com as virtudes e os dons. Nesse momento, o Pai, o Filho e o Espírito Santo penetram na alma e fazem dela sua morada. Deus, que já estava na pessoa por essência, por presença e por potência, passa a inabitá-la como Pai e Amigo, e a vida sobrenatural passa a borbulhar no interior dela, que se torna templo da Santíssima Trindade! 4

Tal é a misericórdia divina, que não podemos deixar de corresponder com alegria e gratidão. De que forma? São Luís Maria nos indica o caminho5: relembrar as obrigações assumidas no batismo, renunciar ao demônio e às suas pompas e consagrar-se a Nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio de sua Mãe Santíssima.

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¹ Mons. João S. Clá Dias, EP. Um milagre infinito! In: O inédito sobre os Evangelhos. v. I, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2013, p. 386-387.

² São Luís Maria G. de Montfort. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. 14ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 124, N. 126.

³ Catecismo da Igreja Católica. As obras divinas e as missões trinitárias: n. 265. 11ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001, p. 79.

4 Mons. João S. Clá Dias, EP, op. Cit., p.387.

5 Conf. São Luís Maria G. de Montfort, op. Cit., p.124-126.