Perdoando que somos perdoados
Na comemoração de São Francisco, hoje 4 de outubro, como não os lembrarmos da sua mais célebre oração:
Senhor: Fazei de mim um instrumento de vossa Paz.
Onde houver ódio, que eu leve o Amor,
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvida, que eu leve a Fé.
Onde houver erro, que eu leve a a Verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a Esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a Luz!
Ó Mestre,
fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando, que se recebe.
Perdoando, que se é perdoado e
é morrendo, que se vive para a vida eterna!
Esta oração de São Francisco é de uma tal riqueza que para tirarmos todo proveito pode-se dizer que seria necessário uma postagem separada para cada frase .
Neste post transcrevemos um comentário do Mons. João Clá, Fundador e Superior dos Arautos do Evangelho inteiramente aplicável à penúltima das frases: Perdoando que se é perdoado
CRISTO NOS ENSINA A PERDOAR
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
O Evangelho nos convida à imitação de Cristo: devemos ser bons como Ele é bom, compassivos como Ele é compassivo, clementes como Ele é clemente. “Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).
Para melhor compreender o alcance destas palavras, devemos ter bem presente o quanto o ódio, o desejo de vingança e a incapacidade de perdoar grassavam nas civilizações anteriores à vinda de Jesus.
pan style=”font-size: large”>O conceito de justiça vigente no Oriente bíblico fundava-se na Lei de Talião, segundo a qual o criminoso devia ser punido com rigorosa reciprocidade em relação ao dano infligido: “Olho por olho, dente por dente” — tal o crime, tal a pena. Vigendo o costume de fazer justiça pelas próprias mãos, prevalecia sempre o mais forte e o perdão era visto como sinal de fraqueza.
Nosso Senhor veio substituir a pena de talião por uma nova forma de trato: amar o próximo como a si mesmo, por amor a Deus.
Para justificar a disposição de perdoar sempre, esse Mestre rigoroso no combate ao pecado nos pede um arrependimento sincero de nossas faltas.
Diante de um filho que pede perdão Deus manifesta a sua bondade sem limites e nos trata com uma misericórdia infinitamente maior do que ousaríamos esperar. Para fazê-lo, põe-nos apenas uma condição: “um coração contrito e humilhado” (Sl 50, 19).
O amor-próprio ferido leva ao desejo de vingança
Entretanto, mesmo tendo sido tantas vezes objeto da misericórdia divina, não é raro ficarmos com o amor-próprio ferido quando alguém nos faz uma ofensa, e, irritados, acalentamos o desejo de revidar.
Com frequência as pessoas perdoam formalmente, “da boca para fora”, mas guardam a mágoa e o rancor na alma e, com eles, o anseio de uma revanche. “Donde vêm as lutas e as contendas entre vós? Não vêm elas de vossas paixões, que combatem em vossos membros?” (Tg 4, 1), pergunta o Apóstolo São Tiago.
Como a tendência exacerbada ao amor-próprio é consequência do pecado original, terá o homem sempre esse combate diante de si, cabendo-lhe recorrer à graça divina para vencer essa má inclinação.
Deus é clemente, mas também justo
Entretanto, o Divino Mestre não veio pregar a impunidade nem o laxismo moral. Deus é clemente, mas também justo. E, em face de benefícios gratuitos de tal monta, devemos ter presente que em certo momento teremos que prestar contas ao Benfeitor. Porque, como ensina Santo Afonso de Ligório, “a misericórdia foi prometida a
quem teme a Deus e não a quem dela abusa […] se Deus espera com paciência, não espera sempre”.⁽¹⁾
A justiça e o perdão devem andar juntos. Justiça não é vingança cega, mas reparação da ordem moral violada. Essa é a regra que Nosso Senhor veio estabelecer entre os homens.
A falta de reciprocidade afasta o perdão de Deus
Nosso Senhor é muito claro ao sublinhar a necessidade de perdoar “de todo coração” (Mt 18, 35) ao próximo, e não apenas formalmente. É preciso, portanto, eliminar do nosso espírito a amargura pela ofensa recebida, fruto do amor-próprio.
“Guardando rancor — afirma São João Crisóstomo — cravamos em nós mesmos a espada. Porque, o que é aquilo que pode ter feito teu ofensor, comparado com o que fazes a ti mesmo quando te enches de ira e atrais contra ti a sentença condenatória de Deus?”.⁽²⁾
Com efeito, Cristo deixa claro que, se guardarmos no coração ressentimentos contra nosso irmão, estaremos pecando contra Deus. Pelo contrário, se suportarmos as afrontas do próximo, isso atrairá sobre nós a misericórdia divina.
Para a caridade, para o amor ao próximo, para o perdão não pode haver limite. Dessa atitude deu-nos belo exemplo José, o filho de Jacó, ao beneficiar de todas as maneiras possíveis seus irmãos, que o tinham vendido como escravo a mercadores. Ou ainda aquele pai da parábola, quando correu ao encontro do filho pródigo, abraçou-o e o cobriu de beijos (cf. Lc 15, 20).
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⁽¹⁾ SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Preparação para a morte – Considerações sobre as Verdades Eternas. XVII – Abuso da Misericórdia Divina, c,I.
⁽²⁾ SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilia 61 sobre o Evangelho de São Mateus.
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[Transcrito do Boletim Informativo “Maria, Rainha dos Corações” do Apostolado do Oratório dos Arautos do Evangelho, nº 61-setembro/Outubro de 2012]
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