Caridade em berço de ouro
A proximidade da canonização de Anchieta desperta em alguns ambientes a lembrança de outras almas virtuosas que viveram ou nasceram em terras brasileiras: Pe. Eustáquio, Albertina de Berkenbrock, Lindalva Justo — já beatificados — e outros cujas causas tramitam nas Dioceses ou no Vaticano: Pe Reus, Irmã Benigna, etc.
Outra séria candidata a ser beatificada é Madre Francisca de Jesus — mais conhecida como Madre Francisca do Rio Negro — nascida Francisca Teixeira Leite de Carvalho, no estado do Rio de Janeiro em fins do século XIX, filha do Barão do Rio Negro, Manuel Gomes de Carvalho Filho.
Quem visita Petrópolis pode, ainda hoje, admirar a residência apalaciada que serviu durante muitos anos como residência de verão dos Presidentes da República: o Palácio Rio Negro, — nome em memória do Barão, pai de Francisca. Neste palácio Francisca viveu sua infância e juventude, no seio de uma família aristocrática e de muitas posses.
O que para muitos constitui a ambição de toda a vida, Francisca possuiu desde cedo: riqueza, prestígio e beleza. Ela entretanto hauriu o que de melhor havia na família: piedade, desejo das virtudes e da santidade. Em meio àquela opulência, cedo compreendeu o acerto das palavras da Escritura: “tudo é vaidade e vento que passa” (Eci, 1, 14). Seu coração desejava mais do que simples coisas perecedoras, das quais nada levamos ao morrer; desejava o que se leva para a eternidade: virtudes, boas obras e amor de Deus.
Estando em Roma, submeteu ao Papa São Pio X a ideia de fundar uma Congregação religiosa feminina destinada a pedir graças em favor do Sumo Pontífice e dos sacerdotes: a Companhia da Virgem.
Aprovada e iniciada a obra, logo surgem as dificuldades de toda natureza, fenômeno aliás muito comum na vida de muitos fundadores. Uma virtude porém brilhava especialmente na alma de Francisca: a confiança. Sempre confiante, foi vencendo as dificuldades, ou contornando-as.
A própria Providência Divina parece ter querido o aumento da virtude da confiança na Madre Francisca, pois além das muitas dificuldades, ainda sem estar a obra solidamente estabelecida, ela foi acometida por uma enfermidade (mal de Basendow) extremamente limitante, atingindo inclusive o sistema nervoso.
Impossibilitada de exercer efetivamente o cargo de Superiora, via com tristeza o abandono da vocação por parte de muitas religiosas desalentadas à vista de tantos obstáculos. Face essa angustiante situação, ela não perdia a confiança e por isso mantinha a calma. Seu horizonte interior, habituado à contemplação dos mistérios divinos, não foi tisnado por um só pensamento de desconfiança em relação ao Deus. Assim o atesta seu diretor espiritual, o renomado Pe Garrigou-Lagrange, OP ⁽¹⁾.
Inesperadamente, a solução
Os sofrimentos de Madre Francisca foram particularmente atrozes no dia 28 de outubro de 1922, e quando ela se perguntava se ainda conseguiria suportá-los, apareceu delineada na parede da cela a Sagrada Face de Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado. Ato contínuo, ela se encontrou inundada de paz, acrescida da sobrenatural certeza de estar cumprindo em tudo os desígnios do Redentor e de sua Santa Mãe.
Essa maravilhosa manifestação da bondade divina infundiu na alma da fundadora um aumento de forças para prosseguir com resignação sua via de dores. E não só ela, mas também as demais freiras se sentiram robustecidas, a ponto de superarem o estado de penúria e prestarem naquele convento, por longos anos, muitos serviços à causa de Deus.
Grande foi a confiança de Madre Francisca, pois a situação que parecia encerrar-se num beco sem saída, abriu-se de repente numa avenida luminosa, de heroísmos, esperanças e realizações. O modo como isso se deu, porém, não consistiu numa sequência de triunfos , mas em esforços e sacrifícios premiados pelas bênçãos de Deus.
Foi em pleno florescimento de virtudes que ela faleceu a 28 de maio de 1932. Os brasileiros conhecedores de seu alto grau de perfeição aguardam agora o pronunciamento da Santa Igreja e sua elevação à honra dos altares.
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⁽¹⁾ GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. Madre Francisca de Jesus. São Paulo: Tipografia Beneditina Santa Maria, 1940, p.32.
(O aspecto confiança da Madre Francisca é amplamente tratado no artigo “Confiança, a regra de ouro”, da Irmã Carmela Werner Ferreira, EP, na revista “Arautos do Evangelho”, nº 99, março de 2010, pp. 30-33. Deste artigo foram utilizados vários dados para o presente post)