PRESENTE DE PÁSCOA
Em muitos lugares do Brasil – e do mundo – vem tendo ampla aceitação e repercussão a obra “O inédito sobre os Evangelhos” de autoria do Mons. João Scognamiglio Clá Dias, Fundador e Superior Geral dos Arautos do Evangelho, publicada simultaneamente em Roma pela Libreria Editrice Vaticana e pelo Instituto Lumen Sapientae, em São Paulo.
Por ocasião da Páscoa, proporcionamos aos leitores deste Blog, uma pequena amostra da obra.
IMPRUDÊNCIA OU FÉ? ⁽*⁾
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
São Marcos narra terem sido três as mulheres que partiram de manhã cedo para o túmulo: “Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé”(Mc 16, 1). À primeira vista, como definir seu proceder?
Imprudência! Elas não planejaram nada ou, quando muito, o fizeram de maneira insuficiente, não usaram a razão e agiram por impulso. Afinal, sabiam perfeitamente que o Corpo de Jesus já fora preparado (cf. Mt 27, 59‑61; Mc 15,46‑47; Lc 23, 53‑55), pois antes do sepultamento passara por um cuidadoso processo nas mãos de Nicodemos e de José de Arimateia, que compraram para tal os melhores perfumes e bálsamos (cf. Jo 19, 38‑40).
Além disso, o Corpo sagrado de Nosso Senhor fora depositado num túmulo fechado por uma lápide, que corria entre dois trilhos e havia sido lacrada. Como três mulheres conseguiriam girá-la? Só no caminho elas pensaram neste detalhe: “Quem nos há de remover a pedra da entrada do sepulcro?” (Mc 16, 3). Sim, quem lhes prestaria este auxílio àquela hora da manhã, num local custodiado por guardas (cf. Mt 27, 66)?
Outra agravante eram as prescrições do Direito Romano, que proibiam a violação de uma sepultura, o que, na verdade, é também contrário ao direito natural. Elas estavam prestes a transgredir as leis civis, num regime tão estrito quanto o do Império.
É também evidente que não tinham pedido licença a São Pedro e aos demais Apóstolos, a qual, decerto, não lhes teria sido concedida. Eles, cientes da suspeita dos judeus de que o Corpo poderia ser roubado, não queriam dar margem a uma calúnia, mandando mulheres ao sepulcro numa hora imprópria.
A ação era comprometedora, pois mesmo que elas não lograssem sequer se aproximar, a mera tentativa ocasionaria um escândalo, e seria interpretada como uma atitude insuflada pelos Apóstolos, com o objetivo de sondar as condições do lugar para retirar o cadáver.
Na aparência, o intento era motivado apenas por irreflexão, loucura, imaginação e fantasia. Terá sido exatamente isto?
Por fim, quando se depararam com o túmulo aberto e vazio, resolveram informar os Onze, às pressas.
Entrementes, onde se encontravam os Apóstolos? Reunidos no Cenáculo, com as portas e janelas fechadas: o extremo oposto da atitude imprudente das mulheres. Ante a notícia do desaparecimento do Corpo, São Pedro e São João saíram correndo para certificar-se da veracidade do anúncio de Santa Maria Madalena. Era o que lhes cabia fazer ante tal surpresa.
São João adiantou-se e chegou primeiro ao túmulo, pois era jovem e ágil, enquanto São Pedro já sentia sobre si o peso das décadas. Sabemos que os familiares gozam de precedência sobre os corpos dos seus falecidos, inclusive com relação às autoridades. Ora, na qualidade de parente de Nosso Senhor, João teria direito de ingressar no sepulcro de imediato, precedendo Pedro que não possuía qualquer vínculo sanguíneo como Mestre. No entanto, compreendendo que ele fora constituído Chefe da Igreja nascente, o Discípulo Amado ignorou os laços humanos e deteve-se à entrada, para esperar que o primeiro Papa chegasse.
Ao penetrar no sepulcro e ver tudo em perfeita ordem, São Pedro concluiu que o Corpo não fora roubado. É incontestável que a única preocupação de um ladrão consiste em furtar aquilo que deseja e nunca se empenha em deixar objetos remexidos por ele no seu devido lugar; pelo contrário, o caos é o indício normal de sua passagem por uma casa. “Se alguém tivesse mudado a localização do Corpo” — comenta São João Crisóstomo — “não o teria desnudado para isso. Ou, se o tivessem roubado, não teriam tido o trabalho de tirar o sudário da cabeça, enrolá-lo e colocá-lo à parte. Como teriam feito? Teriam levado o Corpo tal como estava”. (1)
A despeito das evidências, São Pedro não entendeu o que sucedera e não acreditou. Ele ainda não havia recebido uma graça especial para crer na Ressurreição.
Bem diversa foi a reação do Discípulo Amado. Ele entrou, fez uma inspeção do túmulo junto com São Pedro e acreditou. Por conseguinte, foi o primeiro a ter fé — depois de Nossa Senhora —, mesmo sem qualquer contato com Jesus ressuscitado e, neste sentido, superou inclusive Santa Maria Madalena.
Como podemos explicar isto? “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus!” (Mt 5, 8). De fato, a condição de Apóstolo Virgem conferia a São João uma elevada visão da realidade e uma superior sabedoria.
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Não nos esqueçamos, também, da cena aos pés da Cruz: “Quando Jesus viu sua Mãe e perto d’Ela o discípulo que amava, disse à sua Mãe: ‘Mulher, eis aí teu filho’. Depois disse ao discípulo: ‘Eis aí tua Mãe’. E dessa hora em diante o discípulo A levou para a sua casa” (Jo 19, 26‑27). Fiel aos desígnios do Senhor, “ele A guardará como seu bem, ele substituirá junto a Ela seu Divino Amigo; ele A amará como sua própria mãe; ele será por Ela amado como um filho”. (2)
É natural que, desde então, se estabelecesse um entrelaçamento profundo e um relacionamento íntimo entre ambos. Como seriam as conversas de Maria com João! Em circunstâncias tão trágicas quanto estas, o tema dos colóquios terá sido a Paixão e Morte de Nosso Senhor.
Maria Santíssima, embora com a alma traspassada de dor, era a única que conservava acesa a certeza da Ressurreição do Senhor, enquanto todos os outros, insuficientes na fé, eram incapazes de alcançar o significado daquilo que Jesus lhes revelara repetidas vezes: “O Filho do Homem deve ser entregue nas mãos dos pecadores e crucificado, mas ressuscitará ao terceiro dia” (Lc 24, 7). A Igreja vivia, portanto, de sua extraordinária fé.
Num misto de sofrimento, alegria e santa ansiedade, Nossa Senhora ardia em desejos de que seu Filho ressurgisse, e o terá confidenciado a São João para consolá-lo, manifestando-lhe o momento em que isto aconteceria. De forma que, quando Santa Maria Madalena irrompeu no Cenáculo e contou que o Corpo não estava no túmulo, ele se lembrou imediatamente das palavras de Maria Santíssima.
E, mais tarde, ao constatar que não se tratava de roubo, soube discernir, na meticulosa disposição das faixas de linho e do pano, a mão daquele Senhor que é a ordem por excelência, a própria ordem do universo. E ele acreditou! Por isso escreve (Jo 20, 8-9) para convencer os que não viram e deveriam crer, como se dissesse: “Eu acreditei sem ter visto e só depois recebi a confirmação. Vós também precisais acreditar”.
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(1) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía LXXXV, n.4. In: Homilías sobre el Evangelio de San Juan (61-88). Madrid: Ciudad Nueva, 2001, v.III, p.281.
£(2) GUÉRANGER, OSB, Prosper. L’Année Liturgique. Le Temps deNoël – I. 20.ed. Tours: Alfred Mame et fils, 1919, p.328.
⁽*⁾ Título da redação deste blog.
(Adaptado de “Os Apóstolos ou as Santas Mulheres?” in “O inédito sobre os Evangelhos”, de autoria do Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, Libreria Editrice Vaticana, 2014, vol III, p. 273-277. Publicado também na revista “Arautos do Evangelho”, nº 160, abril de 2015, p. 11-13. Para acessar o exemplar do corrente mês clique aqui )
Ilustrações: Arautos do Evangelho, Francisco Lecaros, Heinhard Hauke (CC by-sa 3.0), Pe. Leopoldo Werner, Sérgio Hollmann