REQUINTE DE MISERICÓRDIA
Decorridos dois mil anos de Cristianismo, pouco fazemos ideia da novidade que representou na época o ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Para nos atermos ao mais interno no homem, que é a sua relação com o Criador, consideremos que na Antiguidade os deuses pagãos eram apresentados muitas vezes como implacáveis juízes e algozes da humanidade. Inclusive, de algum modo, isso se passava com o povo eleito, o único a cultuar um só Deus, pessoal, eterno, origem de tudo.
Para dominar a dura índole daquele povo, preponderava no Antigo Testamento a justiça estrita. Basta compararmos todo o ambiente atemorizante no monte Horeb, enquanto Yavé falava a Moisés, com a bondade de Jesus ao perdoar a adúltera arrependida.
É o Divino Redentor quem inaugura a lei da misericórdia, da paciência e da compaixão. Mostra-Se Deus não só Amigo, mas Irmão dos homens que Se encarna e morre na Cruz para nossa salvação. Algo antes absolutamente impensável.
MARIA: REQUINTE DA MISERICÓRDIA DIVINA
E esse plano de amor ainda contém um requinte. Bem poderia Jesus ter Se encarnado como homem adulto, pronto a iniciar sua pregação. Não, quis Ele ter uma Mãe, viver nove meses em seu claustro, e d’Ela depender em toda a infância como se criança comum fosse. Com isso, elevou ao mais alto grau possível uma simples criatura, tornando-A Mãe de Deus. Ela, desde o princípio de sua existência, gozou de uma plenitude de graças que sobrepuja o píncaro alcançado pelos maiores santos e Anjos.
Teve assim a humanidade o conhecimento não apenas do Deus que é amor, mas também da Mãe d’Ele e nossa, a personificação da bondade, da doçura e do perdão a quem recorrer e de quem esperar toda proteção, amparo e compreensão na difícil lide da perseverança neste vale de lágrimas.
Em seu célebre Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort transcreve inspirada frase de Santo Antonino: “Deus ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu todas as suas graças e chamou-as Maria” (n.23).
Apesar de ser a obra-prima de Deus, em vida, Maria Santíssima escolheu o completo apagamento, a ponto dos Evangelhos serem muito parcos em Lhe fazer referência. Nisso podemos ver uma bela arquitetonia da história da salvação, por onde aos poucos foi Nossa Senhora sendo venerada pelos primeiros cristãos e sua devoção foi se alastrando por toda a Igreja primitiva.
Seu papel na santificação das almas foi num crescendo, na proporção em que mais debilitadas ficavam as gerações, aponto de hoje ser para nós impensável imaginar uma Igreja sem Maria Santíssima.
Como Filha bem amada do Pai Eterno, Mãe admirável de Deus Filho e Esposa fidelíssima de Deus Espírito Santo, ficou-Lhe reservada, por assim dizer, a melhor parte: ser a Rainha de um período histórico em que a humanidade corresponderá de modo inédito às graças, tornando realidade o objetivo com que foram criados os homens. Dará então a humanidade toda a glória devida a Deus. Será o Reino de Maria, em que a maldade humana se verá, por fim, vencida não pela aspereza da justiça, mas pelo insuperável amor maternal da Virgem Maria!
(Originalmente publicado na revista “Arautos do Evangelho”, nº 137, de maio de 2013, p. 5.Para acessar a revista Arautos do Evangelho do corrente mês clique aqui )
Ilustrações: Arautos do Evangelho, wiki