A benquerença no convívio humano
“O homem é um lobo para outro homem”. ¹ Esta chocante frase de Plautus talvez não nos cause tanta má impressão quanto a do filósofo Sêneca: “Tornei-me ainda mais cruel e menos homem, porque estive entre os homens”.² Como explicar que possamos ser um lobo para o próximo e tratá-lo com crueldade? Por que será que presenciamos a crescente falta de respeito, ou desprezo, e até mesmo a agressividade no trato com o próximo?
Com efeito, está na nossa natureza o desejo de nos relacionarmos. O trato com o outro nos é necessário, e nosso instinto de sociabilidade reclama o convívio. Mas esse instinto mal conduzido e desequilibrado degenera num relacionamento não raramente marcado por desastres que nos chocam. Qual a real causa das crueldades hodiernas existentes no trato humano?
Num sentido oposto, bastará lançarmos nosso olhar em Alguém, em tudo igual a nós, exceto no pecado, cujo Coração “tanto amou os homens”,³ e encontraremos a resposta à questão levantada.
Conforme ensina Mons. João Clá Dias, EP, este Varão, que por sua vida e ensinamentos nos trouxe a Boa Nova, ensinou-nos a amar o próximo como Ele nos amou; Ele por sua sociabilidade divinizada, desde o primeiro instante de sua existência desejou reparar os pecados cometidos por seus irmãos e, para salvá-los, entregou-Se à morte de Cruz. Assim teria procedido se fosse para redimir um só pecado e salvar uma só alma. E como se isso não bastasse, deixou-Se em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, até o fim do mundo, como alimento nosso sob as Espécies Eucarísticas. N’Ele encontramos o perfeitíssimo exemplo e, ao mesmo tempo, o próprio equilíbrio de todos os nossos instintos [inclusive o instinto de sociabilidade]. 4
E continua Mons. João: Foi d’Ele que nasceram os hospitais, os orfanatos, os asilos, as universidades, etc. Quando os homens se resolvem a colaborar com sua graça, daí nascem os esplendores de realizações capazes de tornar fulgurante toda a era histórica. Pelo contrário, ao se fecharem ao seu apelo, os crimes, os roubos, a desonra, a mentira, os suicídios, as calúnias, etc. proliferam como praga por toda parte. 5
Eis a resposta lúcida que aflora destas considerações: bastará tirar a Nosso Senhor do centro de nossas vidas e de nossos relacionamentos, e veremos a realidade cruel das palavras ditas pelos pensadores registradas no início deste artigo. De fato, sem a graça de Deus e a visão sobrenaturalizada da vida, sem a fonte de todo o bem, Nosso Cristo Redentor, o homem é mesmo um lobo para o outro homem.
Oh! Que maravilha quando as pessoas fazem do eixo de sua existência o amor a Deus sobre todas as coisas e, em função do Salvador, o amor ao próximo. São os encantos da vida e do convívio que desabrocham no relacionamento humano. Isto faz lembrar a quem vos escreve, caro leitor, das palavras de uma senhora, no século passado, toda feita de bondade, doçura e suavidade, que compreendeu e tão virtuosamente cultivou esta verdade: “Viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem”. 6
Esta frase, manifestada por Dona Lucília Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira em uma “prosinha” com seu filho Plinio, bem apresenta a verdadeira benquerença entre as pessoas. Qual a fonte, o alicerce deste convívio, vivido por ela?
Mons. João, em sua obra Dona Lucilia, assim comenta: Pela devoção ao Sagrado Coração de Jesus, Lucilia desenvolveu ainda mais em sua alma o desejo de fazer o bem. N’Ele estava a fonte do enorme afeto que transbordava no relacionamento dela com os outros. Afeto composto de alegria, de esperança, que continha em si um grau de amizade, de perdão e de bondade, tão entranhados e generosos como seria difícil imaginar. 7
Aqui está a verdadeira chave do bom convívio e relacionamento com o próximo: Devoção ao Sagrado Coração de Jesus e, como não poderia deixar de ser, a Nossa Senhora, que para esta dama paulista, se apresentava especialmente como Nossa Senhora da Penha, sua Madrinha de batismo.
É para esta forma de existir sobre a face da terra que a vida vale a pena ser vivida: amor a Jesus, a Maria e ao próximo em função deles… o resto é resto.
1 Titus Macciu Plautus. Asinaria, II, 4, 88. In Comedias. Madrid: Gredos, 1992, v.I,p.138.
2 Sêneca. Epístola 7. In Obras completas. Madrid: Aguilar, 1966, p.450.
3 Cfr. Sagrado Coração de Jesus, mistério de amor indizível. Disponível em http://vitoria.blog.arautos.org/tag/eis-o-coracao-que-tanto-amou-os-homens/ Acesso em 25 abr. 2017.
Idem. Sainte Marguerite Marie, Oeuvres Choisies, Paris, Marcel Daubin, 1947, p. 79-80.
4 Mons. João S, Clá Dias, EP. Um dos mais belos convívios da História In: _____. O inédito sobre os Evangelhos. v. I, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2013, p. 296.
5 Mons. João S. Clá Dias, EP. Op. cit., p. 296.
6 Cfr. Lucilia Corrêa de Oliveira. In Uma alma conforme ao Coração de Jesus. Disponível em http://luciliacdeoliveira.blogspot.com.br/2012/11/viver-e-estar-juntos-olhar-se-e-querer.html. Acesso em: 25 abr. 2017.
7 Dona Lucilia. Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana e São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2013, p. 93.
Para saber mais e aprofundar o amor ao Sagrado Coração, fonte da benquerença, o leitor pode acessar a TV Arautos:
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