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Por que não eu?

Sem fechar o livro, colocou-o sobre cama, pensativo. Tinha tempo, muito tempo, para refletir, enquanto jazia naquele leito à espera de consolidar-se a fratura da perna. Em certo momento disse enfaticamente para si mesmo:

— Se eles puderam, por que não eu?

Quem assim falava para si mesmo? Que livro era aquele?

O livro era “A vida dos Santos”. Quem assim falava era um homem cuja juventude ainda estava próxima, mas começava a palmilhar a maturidade. Seu nome, Iñigo de Loyola, hoje conhecido como Inácio de Loyola, ou mais precisamente Santo Inácio de Loyola.

Depois de algum tempo como pajem do Rei Fernando V, escolhera a carreira das armas, ofício nada fácil naquela quadra histórica em que a Europa parecia contorcer-se, assolada por guerras e heresias. Na sua mais recente batalha — o cerco de Pamplona — Inácio tivera a perna fraturada por uma bala de canhão. Agora recuperava-se, sonhando voltar o quanto antes para o combate.

Santo Inácio quando soldado

No leito, já tinha lido todos os romances de cavalaria que havia na biblioteca do castelo familiar, onde se encontrava. Na falta de outra leitura, acabou por ler a vida de Cristo e posteriormente a “Vida dos Santos”. Foi durante essa leitura que lhe surgiu a pergunta:

— Se eles puderam, por que não eu?

Afinal, ele lutava por um rei terreno, o qual haveria de morrer mais cedo ou mais tarde. Ele, Inácio, também morreria… E depois?

Num de seus dias de vitória, orgulhoso de seus feitos, estava a descansar à sombra de um arvoredo quando viu à sua frente o muro de pedra de um cemitério, que era, entretanto, um local bem aprazível. Entrou.

Andava entre algumas sepulturas simples e outras mais ornadas, quando uma lapide, não pertencendo a nenhuma delas chamou-lhe a atenção. Nela estava a inscrição:

“Quando você se achar insubstituível, dê uma passada por aqui e veja quantos já se foram e o mundo continua seu caminho”.

Também ele, Inácio, também morreria… E depois?

Essas e outras lembranças vieram-lhe à mente quando se pôs a questão: “Se outros puderam, por que não eu?” Tinha como evidente o transitório dessa vida e veio-lhe à mente os ensinamentos do Evangelho que lera na “Vida de Cristo”, em que Jesus falava de um Reino eterno.

Se os outros puderam, com a graça de Deus ele também poderia! Estava decidido: dai por diante sua vida seria para servir ao Divino General, o campo de batalha seria o mundo inteiro e as praças a conquistar, as almas que Jesus comprara pelo preço de todo seu Sangue.

No momento que tomou a resolução, um forte estalido se fez ouvir no castelo: uma das paredes do quarto rachara; a fenda ia até os alicerces. (*)

                Abadia de Montserrat

Inácio realizou então uma peregrinação à abadia de Nossa Senhora de Montserrat, ficando uma noite em vigília diante da famosa imagem. Finda esta, depositou aos pés da Virgem a sua espada e partiu para fundar o que a Providência Divina lhe inspirara: um “exército” para difusão e defesa da Fé. Nasceu assim a Companhia de Jesus a cujo zelo apostólico devemos em boa parte a evangelização do Brasil.

Em toda sua vida, essa será uma característica de Santo Inácio: análise serena, mas profunda e objetiva, das circunstâncias; resoluções firmes e inamovíveis como uma rocha. O resultado foi a fundação daquela que seria a mais numerosa Ordem religiosa dos tempos modernos, cujo nome — Companhia —tem origem nos termos militares, ainda hoje em uso.

Sim, com a ajuda da Graça ele poderia.

 

(*) Até hoje é possível ver esta rachadura no castelo dos Loyola em Azpeitia, na Espanha.

Ilustrações: Arautos do Evangelho, wiki, acnsf.

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