A aurora da vida
É raro o brasileiro que desconheça este verso:
“Ah! que saudades que eu tenho
da aurora da minha vida
da minha infância querida
que os anos não trazem mais.
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
Respira a alma inocência
Como perfumes a flor” ⁽¹⁾.
Num ambiente completamente diferente do nosso, concretamente na Rússia Imperial de inicio do século XX, um outro escritor já avançado em anos dá uma confirmação de como a inocência faz-nos ver a realidade.
Acabava de chegar a Moscou na aurora do século XX e, da estação ferroviária — a ferrovia era a última palavra em locomoção — toma uma carruagem para o centro da cidade. Em certo momento a condução penetra na principal avenida cujo término é o Kremlin, destacando-se a majestosa Catedral de São Basílio.
Como a descreve o nosso viajante?
“O que vejo? Uma Catedral? Não. Uma cascata de enfeites que ficaram ali, pairando entre o céu e a terra, brilhando com todas as cores que víamos quando éramos crianças” ⁽²⁾
Por paradoxal que seja, essas cogitações vieram-me à mente hoje, dia de finados.
Por que?
No Evangelho, Jesus diz aos discípulos: “se não vos fizerdes como uma dessas criancinhas, não entrareis no Reino dos céus” (Mt 18, 3).
Nesse dia de finados não pode deixar de nos vir à mente que um dia… seremos finados também… Como pitorescamente está escrito na entrada do cemitério do Bonfim em Belo Horizonte: “Os que morreram saúdam os que vão morrer”…
Alguém poderia objetar: “poderia ser um pensamento mais positivo…”. Não nos parece negativo lembrar que a única coisa de certa na vida… é a morte.
Como pitorescamente ouvi certa vez: Se alguém acha que não vai morrer levante o braço…
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⁽¹⁾ Casimiro de Abreu, Meus oito anos. Coletânea do autor, Primaveras, 1859.
⁽²⁾ Henri Troyat, A vida cotidiana na Rússia na época dos últimos czares, Ed. Livros do Brasil, Lisboa, 1961.
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