PINTURA DE ANJO?
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Admirando as pinturas de Fra Angélico é difícil não perceber sua genialidade: pinta mais as almas e virtudes (ou vícios) dos personagens do que os seus corpos. Tem-se a impressão de que são pessoas sem pecado original, que tanto enfeiou e debilitou o gênero humano.
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Quem era esse pintor, ou melhor, esse frade dominicano que mereceu o apelido de “Angélico”?
Fra Angélico, ou, mais precisamente, Frei Giovanni de Fiesole é originário de um pequeno povoado na Toscana, Itália.
Quando ainda muito jovem entrou para o convento dos dominicanos em Fiesole. Seguiram-se anos de estudos filosóficos e teológicos, os quais fizeram dele um profundo conhecedor da doutrina católica e um fervoroso sacerdote. Sua formação foi baseada em São Tomás de Aquino — dominicano como ele —, tido até hoje como um dos maiores teólogos de todos os tempos. Fra Angélico é chamado por alguns autores “o São Tomás de Aquino da pintura”, a ponto de se poder dizer que transpôs para o campo artístico a doutrina do grande Doutor da Igreja.
Seguindo a voz da graça, dedicava boa parte do seu tempo a pintar, usando seu talento pessoal. Nesse período, o prior do convento, o futuro Santo Antonino de Florença, teve uma intuição inspirada pelo alto, ao compreender que os dotes artísticos de Frei Giovanni constituíam um eficaz auxílio para a pregação da Palavra de Deus. Percebeu não ser necessário afastá-lo da paleta e dos pincéis; pelo contrário, incentivou-o a projetar nas telas o carisma de sua Ordem. Ele soube fazer isto magistralmente, e toda a sua obra artística está alicerçada na espiritualidade dominicana.
Mostrou-se exímio não só no uso dos pincéis, pois foi por três vezes prior do convento.
Pintor do sobrenatural
Mesmo nas telas de grande magnificência, os personagens permanecem sóbrios, despretensiosos e alheios aos atrativos materiais.
Contemplar sua pintura é receber uma alta e sublimada lição de espírito católico, na qual descobrimos uma representação do gênero humano talvez distante do que é, mas muito próxima do que deveria ser.
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Suas obras são o reflexo do gáudio sobrenatural que o homem tem, proveniente do estado de graça e de uma vida virtuosa. Por isso é distensivo e, mais que isso, eleva a alma contemplar seus quadros.
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Oposto do paganismo da Renascença
Transferido para Florença, dedicou-se a pintar os inúmeros afrescos no novo convento lá erigido. Para a dedicação da igreja conventual, esteve presente inclusive o Papa, o qual ficou admirado ao percorrer as celas dos frades: todas eram decoradas com magníficas pinturas de Fra Angélico retratando cenas do Evangelho. Maravilhado diante de tamanho talento, o Papa Eugênio IV convocou Frei Giovanni para embelezar o Vaticano.
O santo pintor não podia deixar de aceitar essas incumbências, inclusive porque, como aponta um autor, a Igreja não o convoca para um mero labor artístico, mas “solicita sua contribuição para contrarrestar a força do Humanismo pagão”.
Durante sua permanência em Roma, o Papa Eugênio IV, ofereceu-lhe o Arcebispado de Florença. Por humildade, ele recusou e sugeriu para essa alta dignidade seu confrade, Santo Antonino. Essa sugestão, acolhida sem hesitação pelo Pontífice, não poderia ser mais feliz.
Faleceu em 1455. Sua morte foi serena, tal como a vida, e os contemporâneos não só elogiaram suas pinturas, mas sobretudo souberam apreciar-lhe a virtude. Lê-se na lápide do seu túmulo: “Mereceu a glória mais por sua caridade do que por sua arte”.
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(Veja artigo completo: “O pintor do sobrenatural”, Irmã Carmela Werner Ferreira, EP, na revista “Arautos do Evangelho”, nº 112, abril de 2011, p.18-23.)