Conseguimos ver a Deus?
Será possível para nós, pobres mortais, ainda nesta vida, vermos a Deus? Alguns talvez respondam que sim, assegurando que O veem todos os dias: seja através de uma linda paisagem, ao ouvir uma bela pregação, ou por meio de uma palavra amiga que os console em meio a terríveis provações… Mas, afinal, conseguimos ver a Deus?
Houve um grande felizardo que, sem titubear em sua afirmação, deixou marcada para a história um belo e inesquecível relato: “Eu vi a Deus num homem”! Terá sido um bom filho que, ao exaltar as qualidades de seu progenitor, não encontrou outras palavras senão elevar à categoria divina o seu próprio pai? Objetariam alguns que não, pois julgariam tal atitude como demasiada manifestação de amor filial. Ou foi ele um religioso, mencionando a primeira vez que viu o seu Fundador? Bem poderia ser, pois não é sem razão que assim se dirigia São Francisco Xavier a Santo Inácio de Loyola, seu Pai e Fundador, tratando-o de “Meu Deus na terra”. Mas, afinal, conseguimos ver a Deus? Quem poderia dizer: “Eu via a Deus num homem”…?
De acordo com o Catecismo da Igreja Católica (CIC), “Ao revelar seu nome misterioso de Iahweh, ‘Eu sou Aquele que É’, ou ‘Eu sou Aquele que Sou’, ou também ‘Eu sou Quem Sou’, Deus declara quem Ele é, e com que nome se deve chamá-Lo” (CIC, 206, p.65). Ora, se Ele é Aquele que É, como não poderia ser visto? Estejamos certos de que podemos ver a Deus. Mas de que modo? Também o Catecismo, baseando-se em Santo Agostinho e no Doutor Angélico, São Tomás de Aquino, nos exorta: “Criado à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus, o homem que procura a Deus descobre certas ‘vias’ para ascender ao conhecimento de Deus. Chamamo-las também de ‘provas da existência de Deus’, não no sentido das provas que as ciências naturais buscam, mas no sentido de ‘argumentos convergentes e convincentes’ que permitem chegar a verdadeiras certezas” (CIC, 31, p.23). Quiçá por isso, nosso ‘grande felizardo’ afirmou: ‘Eu vi a Deus num homem!’ Mas quem foi ele?
Trata-se de um célebre advogado de Paris, o qual ao se encontrar com um amigo, foi interpelado por este a respeito de para
onde viajaria naquele momento. Ao ouvir como resposta que o destino se tratava da simples e pacata cidade de Ars, no interior da França, o tal amigo indagou:
– Mas, o que você vai fazer em Ars? O que pode haver de interessante em Ars?
– Fiquei sabendo que lá existe um padre muito virtuoso, e quero, pois, conhecê-lo. Quando voltar, saiba que lho direi.
O advogado foi a Ars, e após regressar a Paris e reencontrar seu cético amigo, disse a ele admirado: “Eu vi a Deus num homem!” Tratava-se de São João Maria Vianney (1786-1859), o Santo Cura d’Ars, cuja festa hoje comemoramos. Tamanha era sua virtude que de diversas partes, não só da Filha Primogênita da Igreja como de diversos outros lugares, acorriam numerosas multidões para verem a Deus num homem. De suprema inteligência e oratória? Não era ele muito dotado de predicados naturais… Mas, quanto aos sobrenaturais, possuía uma alma tão munida da Sabedoria Divina que, por meio de um exuberante dom do Discernimento dos Espíritos que possuía, era capaz de ler o interior mais profundo das almas. Prova disso é que, não raras vezes, apontava ao fiel os pecados que ainda restavam a ser declinados ao longo do sacramento da reconciliação.
De vida acética e penitente, o Santo Cura d’Ars quase não comia e pouco se descansava, se é que dormia… Certa vez, em meio às costumeiras dezoito horas que reservava para atender aos fiéis em confissão, foi até os seus humildes aposentos para colocar ao fogo algumas batatas. Depois de algum tempo, voltou lá para ver se já estava pronta a sua refeição. Ocorreu que, mais de uma vez, misteriosamente encontrou carne na panela, e não as batatas cozidas. Enfim, ao perceber se tratar de uma maléfica artimanha do infernal inimigo, resolveu fazer jejum naquela noite, dado que era sexta-feira, dia de abstinência. Fruto de sua sublime humildade, mais um louro estava assim fixado em sua futura coroa de glória!
Muitos poderiam ser os fatos aqui narrados de tão precioso “tesouro” de nossa Santa Igreja, aquele que por ela recebeu o título de Padroeiro dos Sacerdotes. Ressaltemos que não é pouca coisa, pois levando em consideração a grandeza do estado clerical, sobre o qual nos ensina Santo Agostinho, Santo Anselmo, entre outros, ser superior ao estado dos próprios anjos, receber este epíteto de Padroeiro dos Sacerdotes nos faz reconhecer o quanto agrada a Deus aquele que abraça e trilha além das vias clericais, as vias da santidade.
Eis porque, inequivocamente, podem afirmar os que estiveram diante de um santo, ‘Eu vi a Deus num homem!’ Vi, como outrora Moisés pela sarça ardente, Aquele que É. Vi pelos exemplos ardorosos de sua alma, pelas labaredas de suas virtudes, por sua abnegação e entrega, pelo esquecimento de si mesmo ao pleníssimo amor e serviço a Deus! Para aqueles que têm essa ventura, não há dúvidas que possam obscurecer a “voz misteriosa da graça que fala no interior dos corações”.
Entretanto, há um ponto muito sério a considerar: “Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus” (Mt 5,8). Infelizmente, em contrapartida, muitos são os que não conseguem ver a Deus, por não terem puro o coração… Por mais que o Cura d’Ars fosse santo, era necessário ao menos a reta intenção de ser puro, e também de ser santo, para assim poder vê-lo, e Deus nele.
Tenhamos a esperança fortalecida pela fé para sermos santos a exemplo de São Cura d’Ars. Peçamos isso a Nossa Celeste Advogada, Medianeira de Todas as Graças, rogando especialmente pelo clero e por todos os fiéis. E fazendo uso das próprias palavras de São João Maria Vianney, “voltemo-nos a Nossa Senhora com grande confiança e tenhamos a certeza de que, por mais miseráveis que possamos ser, Ela obterá para nós a graça da conversão”.
Catecismo da Igreja Católica. 11.ed. São Paulo: Loyola, 2001.
Le Curé D’Ars, VIe de Jean Baptiste Marie Vianney. L’Abbé Alfred Monnin. Paris: Charles Douniol Libraire Éditeur, 1861. 539p.
Thomas de Saint-Laurent. O livro da Confiança. São Paulo: Ed. Retornarei. 2019. 93p.
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