Viver na terra olhando para o Céu
Irmã Carmela Werner Ferreira, EP
Dotada de encantadora singeleza, alva plumagem e impecável “maintien”, a garça surpreende pelo contraste entre a sua elegante imponência e a fragilidade das patas que a sustentam com perfeito equilíbrio, em suas investidas nos charcos onde vai buscar alimento. Sem consentir que a vileza dos vermes ou a sujeira do terreno tisnem o magnífico branco de sua plumagem, ela empreende altaneira a tarefa de recolher os pequenos animais que compõem sua refeição.
Com olhar sagaz, não perde o movimento de nenhum petisco, que logo é fisgado com seu longo bico, após uma rápida e certeira localização. Serena, a garça não se precipita afoita sobre a presa, mas prepara cuidadosamente cada um de seus movimentos e os executa com destreza e exatidão, atingindo o objetivo desejado.
Mais ainda, ela dá a impressão de estar imersa em cogitações de ordem contemplativa que, por assim dizer, não permitem preocupar-se com aquele entorno vulgar no qual, entretanto, é obrigada a viver.
Não é verdade que a sua nobreza ficaria em algo diminuída caso ela se mostrasse condescendente com a modorra e a estreiteza de horizontes do ambiente em que encontra a subsistência?
Esta simpática ave parece transmitir, pelo todo de sua constituição
e pelo modo como harmoniza extremos de charme e de trivialidade,
uma luminosidade moral para o homem que a admira.
Cada um de nós, pela natural dignidade da natureza humana e, sobretudo, pelos efeitos do Batismo, foi elevado a um patamar de superior grandeza. O mais apagado dos homens, desde que esteja na graça de Deus, é um verdadeiro príncipe, herdeiro das moradas celestes.
Agraciado com mil privilégios, posto sob a proteção da Santa Igreja e tendo a alma adornada por virtudes e dons, o homem enfrenta uma paradoxal situação: deve viver nesta Terra maculada pelo pecado, cabendo-lhe comer o pão com o suor de seu rosto (cf. Gn 3, 19) e assumir as duras consequências da queda de seus primeiros pais.
Como a nívea garça, ele está posto num pantanal de angústias, misérias e desolações, enquanto sente um chamado ad maiora pairando sobre si, como uma aura luminosa.
A bela ave, contudo, possui uma habilidade que compensa num só minuto todas as frustrações que poderiam acometê-la, pois é capaz de deixar o pântano e alçar voo conservando intacta a sua alvura, até chegar a altas paragens, onde não é atingida pelos asfixiantes calores do charco e passa a ser acariciada pelos ventos do heroísmo.
Também nós, quando correspondemos ao convite à santidade feito pela Providência, nos erguemos de nossas mazelas e voamos pelos páramos da vida espiritual.
E se formos fiéis à voz da graça na vida de todos os dias, mantendo os olhos postos no Céu, chegaremos à verdadeira felicidade, pela misericórdia de Deus. Lá não mais haverá lágrimas nem dor e será Ele mesmo a nossa recompensa demasiadamente grande, por toda a eternidade.
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(Transcrito do artigo com o mesmo título na revista “Arautos do Evangelho”, nº 148, de abril de 2014.)
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