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PASSOU A VIDA FAZENDO O BEM

Com a frase do título, São Pedro caracteriza toda a vida de Jesus (At 10, 38). Jesus é Deus, portanto seria impossível todas as suas ações não serem as mais perfeitas. Seus milagres, curas, etc. são bastante conhecidos, comprovando o que diz o Príncipe dos Apóstolos, o primeiro Papa, instituído pelo próprio Jesus.

Como ver então a Jesus de chicote na mão, expulsando os vendilhões do Templo? Haveria nesse ato alguma imperfeição? Ou, pelo contrário, é um modelo a seguir em circunstâncias ofensivas à glória de Deus?

Sobre isso, são muito oportunos os esclarecimentos dados pelo Mons. João Clá Dias, EP, fundador e Superior dos Arautos do Evangelho que transcrevemos a seguir.

HAVERÁ BONDADE NO CASTIGAR?

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

O Templo era o ponto de referência mais denso de simbolismo religioso de Israel. Não havia em toda a nação algo mais santo. Aquele local fora escolhido pelo próprio Deus para conviver com o Povo Eleito.

Por essas e outras razões, nenhum judeu se consolaria caso visse chegar a hora de sua morte sem ter passado por seus pórticos, corredores e edifícios para rezar e oferecer sacrifícios. E ainda nos dias atuais, o grande sonho dos israelitas consiste em poder se encontrar diante daquelas ruínas para tocá-las, osculá-las, e banhá-las com suas lágrimas e, por esse meio, robustecer suas esperanças.

O Templo

Cruzando o limiar de uma das oito portas exteriores, penetrava-se no imenso Pátio dos Gentios, aberto a todos: judeus ou pagãos, ortodoxos ou hereges, purificados ou impuros. É nesses pátios que muitas das cenas da vida pública de Nosso Senhor se passaram.

E é justamente nesse Pátio que se dá o episódio da expulsão dos vendilhões, no qual se oficializa a missão do Messias. Até esse dia, Ele frequentava o Templo como um simples judeu, sem emitir qualquer juízo sobre a conduta das autoridades locais.

Além da comum e corrente multidão das grandes festas, a circular pelo Templo, deparou-Se Jesus, mais uma vez, com um tumulto e uma agitação ruidosa (Jo 2, 14). Cambistas gritavam, oferecendo um “bom negócio”: moeda sagrada em troca de moedas estrangeiras, as quais ali não podiam ser usadas; e dessa forma desprezavam a Lei e criavam um intolerável tráfico.

O vozerio das discussões sobre o valor destas ou daquelas moedas não era a única sonoridade dessacralizante. Os animais — verdadeiros rebanhos! —, cordeiros, ovelhas, bois e touros, acrescentavam seus mugidos aos pregões dos vendedores. Sem contar a tonalidade mais aguda das aves, pardais e pombos, que ofereciam sua contribuição àquela cacofonia chocantemente contrária a um ambiente de essência sagrada.

Como agiu Jesus

De outras vezes, sofreu Jesus em silêncio, retendo Sua indignação, mas chegara agora o momento de intervir.

“Tendo feito um chicote de cordas, expulsou-os a todos do Templo, e com eles as ovelhas e os bois, deitou por terra o dinheiro dos cambistas e derrubou as suas mesas. Aos que vendiam pombas disse: “Tirai isso daqui, não façais da casa de meu Pai casa de comércio” (Jo 2, 15-16).

Jesus chora sobre Jerusalém

Jesus é Deus e inteiramente Homem, com personalidade divina. Mais adiante Ele choraria sobre Jerusalém, como também pela morte de Lázaro; seriam lágrimas significativas de Sua misericórdia, bondade, ternura e amor. Aqui Ele empunha o látego de cólera, vingança e justiça. Esses dois extremos denotam a perfeição insuperável de Seu temperamento. Tratou-se de um ato de santa ira. De si, a cólera é uma paixão do apetite irascível, neutra, ou seja, nem boa nem má. Se ela for conforme à reta razão, será boa; se não, será má. Em Cristo Jesus, todas as paixões sempre foram ordenadas e boas.

Não só jamais se poderia atribuir a esse Seu ato de vingança o caráter de pecado, ou até mesmo de imperfeição, mas, muito pelo contrário, consistiu ele na prática da virtude de zelo em grau heroico. Procurou Jesus, com essa atitude, reprimir os abusos e ofensas contra Seu adorado Pai (*).

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O zelo de Jesus desperta a simpatia do povo

”Então lembraram-se Seus discípulos do que está escrito: “O zelo da tua casa Me consome” (Sl 68,10).

Um varão ainda quase nada conhecido, apoiado exclusivamente em seus próprios recursos e forças, sem exercer nenhum cargo oficial, ao Se impor com tanto vigor, energia e intransigência para expulsar os vendilhões com seus animais e pertences, incutindo medo e respeito à multidão, aos guardas e aos próprios magistrados do Templo, não faz senão transluzir um poder divino. Aquele só poderia ser um profeta, um reformador, o Messias.

Não seria de se estranhar que o povo acolhesse com simpatia essa ousadia de Jesus. A atitude corajosa e destemida, sobretudo quando justa e religiosa, estimula o aplauso geral. Daí o fato de os quatro discípulos, ao testemunharem o triunfo de Jesus, terem ficado surpresos por constatar o quanto a bondade do Divino Mestre possuía um oposto extremo e harmonioso.

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(*) Cf. Suma Teológica I-II q. 28, a. 4.