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Meditação – Última Ceia de Jesus Cristo com os seus discípulos

A Última Ceia, por GiottoVespere autem facto, discumbebat (Iesus) cum discipulis suis – “Chegada, pois, a tarde, pôs-se (Jesus) à mesa com os seus discípulos” (Matth. 26, 20).

Imaginemos ver Jesus Cristo que, sentado à mesa com os discípulos, come o Cordeiro Pascal, figura do sacrifício d’Ele mesmo, que no dia seguinte seria oferecido sobre o altar da Cruz. Imaginemos vê-Lo também no momento de prostrar-Se diante dos Apóstolos e de judas para lhes lavar os pés. Vendo um Deus que Se humilha a tal ponto por nosso amor, ficaremos sempre tão orgulhosos que não sabemos suportar uma palavra de desprezo, a mais leve falta de atenção?

 I. Sabendo Jesus que era chegada a hora de sua morte, em que devia partir deste mundo, como até então tinha amado os homens com amor excessivo, quis naquela hora dar-lhes as últimas e maiores demonstrações de seu amor. Vede-O, como sentado à mesa e todo inflamado de amor, Se volta para os seus discípulos e lhes diz: Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum [1] – “Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa”. Discípulos meus (e o mesmo disse Jesus então a todos nós), sabei que em toda a minha vida não tive outro desejo senão o de celebrar convosco esta Última Ceia; porquanto logo em seguida irei sacrificar-Me pela vossa salvação.

Portanto, ó meu Jesus, tendes tão vivo desejo de dar a vida por nós, as vossas miseráveis criaturas? Ah! Esse vosso desejo, como não deve excitar em nossos corações o desejo de padecer e morrer por vosso amor, visto que por nosso amor desejais tão ansiosamente padecer e morrer! Ó amado Redentor, fazei-nos saber o que quereis de nós; queremos agradar-Vos em tudo. Queremos dar-Vos gosto para respondermos ao menos um pouco ao grande amor que nos tendes.

Entretanto é posto na mesa o cordeiro pascal, figura de nosso Salvador mesmo. Assim como aquele cordeiro foi consumido na Última Ceia, assim o mundo veria no dia seguinte o Cordeiro divino, Jesus Cristo, consumido de dores sobre o altar da Cruz.

Itaque cum recubuisset ille (Ioannes) supra pectus Iesu – “Tendo-se ele (João) reclinado sobre o peito de Jesus” [2]. Ó feliz de vós, João, discípulo predileto, que reclinando a cabeça sobre o peito de Jesus, compreendestes a ternura do Coração do nosso amante Redentor para com as almas que O amam! – Ah! Meu dulcíssimo Senhor, que repetidas vezes me favorecestes com tão grande graça! Sim, pois que eu também compreendi a ternura do vosso afeto para comigo cada vez que me consolastes com luzes celestes e doçuras espirituais. Mas, não obstante isso, Vos fui infiel! Suplico-Vos que não me deixeis mais viver tão ingrato para com a vossa bondade! Quero ser todo vosso: aceitai-me e socorrei-me.

 

II. Deinde mittit (Iesus) aquam in pelvim, et coepit lavare pedes discipulorum [3] – “Depois (Jesus) deita água numa bacia e começa a lavar os pés dos discípulos”. – Minha alma, contempla a teu Jesus que Se levanta da mesa, depõe suas vestiduras e, tomando uma toalha branca, Se cinge. Em seguida deitando água numa bacia, de joelhos diante de seus discípulos, começa a lavar-lhes os pés. Eis, pois, que o Rei do mundo, o Unigênito de Deus, Se humilha até lavar os pés a suas criaturas! Ó Anjos, que dizeis a isso? Já teria sido um grande favor, se Jesus Cristo lhes houvera permitido lavarem-Lhe com lágrimas os pés divinos, assim como permitiu à Maria Madalena. Jesus, porém, quis prostrar-Se aos pés dos seus servos, a fim de nos deixar no fim da sua vida este grande exemplo de humildade, e mais esta grande prova do amor que tem aos homens.

E nós, ó Senhor, seremos sempre tão orgulhosos que não sofremos uma palavra de desprezo, uma pequena falta de atenção, sem que logo fiquemos ressentidos, e nos venha o pensamento de vingança? Todavia, pelos nossos pecados temos merecido sermos calcados aos pés dos demônios no inferno. Ah, meu Jesus, reconheço que é um grande castigo de meus pecados o terem-me feito soberbo, depois de me terem feito ingrato. Para o futuro não será assim; pois que o vosso exemplo me fez as humilhações sumamente amáveis. Prometo que de hoje em diante suportarei por vosso amor qualquer injúria e afronta que me seja feita; mais, desejo e peço ser humilhado conVosco. – Mas, ó Senhor, para que servem estes meus propósitos sem o vosso auxílio para executá-los? Já que me quereis salvo, ó meu Jesus desprezado, ajudai-me a suportar em paz todos os desprezos que em minha vida tenha de receber. Concedei-me esta graça pelo mérito dos opróbrios que sofrestes, e pelas dores de vossa e minha querida Mãe Maria. (I 603.)

Fonte: Pe. Thiago Maria Cristini, C. SS. R., “Meditações para todos os dias do ano tiradas das obras de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja”, Herder e Cia., tomo I, págs. 379 – 382, Friburgo em Brisgau, Alemanha, 1921.


[1]  Luc. 22, 15.
[2]  Io. 13, 25.
[3]  Io. 13, 5.