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Conseguimos ver a Deus?

O Santo Cura d’Ars dando catequese – Basílica de Luján (Argentina) – Foto: Conrad Fernandes

 

Autor: Douglas Wenner

Será possível para nós, pobres mortais, ainda nesta vida, vermos a Deus? Alguns talvez respondam que sim, assegurando que O veem todos os dias: seja através de uma linda paisagem, ao ouvir uma bela pregação, ou por meio de uma palavra amiga que os console em meio a terríveis provações… Mas, afinal, conseguimos ver a Deus?

Houve um grande felizardo que, sem titubear em sua afirmação, deixou marcada para a história um belo e inesquecível relato: “Eu vi a Deus num homem”! Terá sido um bom filho que, ao exaltar as qualidades de seu progenitor, não encontrou outras palavras senão elevar à categoria divina o seu próprio pai? Objetariam alguns que não, pois julgariam tal atitude como demasiada manifestação de amor filial. Ou foi ele um religioso, mencionando a primeira vez que viu o seu Fundador? Bem poderia ser, pois não é sem razão que assim se dirigia São Francisco Xavier a Santo Inácio de Loyola, seu Pai e Fundador, tratando-o de “Meu Deus na terra”. Mas, afinal, conseguimos ver a Deus? Quem poderia dizer: “Eu via a Deus num homem”…?

De acordo com o Catecismo da Igreja Católica (CIC), “Ao revelar seu nome misterioso de Iahweh, ‘Eu sou Aquele que É’, ou ‘Eu sou Aquele que Sou’, ou também ‘Eu sou Quem Sou’, Deus declara quem Ele é, e com que nome se deve chamá-Lo” (CIC, 206, p.65). Ora, se Ele é Aquele que É, como não poderia ser visto? Estejamos certos de que podemos ver a Deus. Mas de que modo? Também o Catecismo, baseando-se em Santo Agostinho e no Doutor Angélico, São Tomás de Aquino, nos exorta: “Criado à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus, o homem que procura a Deus descobre certas ‘vias’ para ascender ao conhecimento de Deus. Chamamo-las também de ‘provas da existência de Deus’, não no sentido das provas que as ciências naturais buscam, mas no sentido de ‘argumentos convergentes e convincentes’ que permitem chegar a verdadeiras certezas” (CIC, 31, p.23). Quiçá por isso, nosso ‘grande felizardo’ afirmou: ‘Eu vi a Deus num homem!’ Mas quem foi ele?

Trata-se de um célebre advogado de Paris, o qual ao se encontrar com um amigo, foi interpelado por este a respeito de para

Acervo Revista Arautos

onde viajaria naquele momento. Ao ouvir como resposta que o destino se tratava da simples e pacata cidade de Ars, no interior da França, o tal amigo indagou:

– Mas, o que você vai fazer em Ars? O que pode haver de interessante em Ars?

– Fiquei sabendo que lá existe um padre muito virtuoso, e quero, pois, conhecê-lo. Quando voltar, saiba que lho direi.

O advogado foi a Ars, e após regressar a Paris e reencontrar seu cético amigo, disse a ele admirado: “Eu vi a Deus num homem!” Tratava-se de São João Maria Vianney (1786-1859), o Santo Cura d’Ars, cuja festa hoje comemoramos. Tamanha era sua virtude que de diversas partes, não só da Filha Primogênita da Igreja como de diversos outros lugares, acorriam numerosas multidões para verem a Deus num homem. De suprema inteligência e oratória? Não era ele muito dotado de predicados naturais… Mas, quanto aos sobrenaturais, possuía uma alma tão munida da Sabedoria Divina que, por meio de um exuberante dom do Discernimento dos Espíritos que possuía, era capaz de ler o interior mais profundo das almas. Prova disso é que, não raras vezes, apontava ao fiel os pecados que ainda restavam a ser declinados ao longo do sacramento da reconciliação.

De vida acética e penitente, o Santo Cura d’Ars quase não comia e pouco se descansava, se é que dormia… Certa vez, em meio às costumeiras dezoito horas que reservava para atender aos fiéis em confissão, foi até os seus humildes aposentos para colocar ao fogo algumas batatas. Depois de algum tempo, voltou lá para ver se já estava pronta a sua refeição. Ocorreu que, mais de uma vez, misteriosamente encontrou carne na panela, e não as batatas cozidas. Enfim, ao perceber se tratar de uma maléfica artimanha do infernal inimigo, resolveu fazer jejum naquela noite, dado que era sexta-feira, dia de abstinência. Fruto de sua sublime humildade, mais um louro estava assim fixado em sua futura coroa de glória!

Casa de São Cura d’Ars – frwikipedia

Muitos poderiam ser os fatos aqui narrados de tão precioso “tesouro” de nossa Santa Igreja, aquele que por ela recebeu o título de Padroeiro dos Sacerdotes. Ressaltemos que não é pouca coisa, pois levando em consideração a grandeza do estado clerical, sobre o qual nos ensina Santo Agostinho, Santo Anselmo, entre outros, ser superior ao estado dos próprios anjos, receber este epíteto de Padroeiro dos Sacerdotes nos faz reconhecer o quanto agrada a Deus aquele que abraça e trilha além das vias clericais, as vias da santidade.

Eis porque, inequivocamente, podem afirmar os que estiveram diante de um santo, ‘Eu vi a Deus num homem!’ Vi, como outrora Moisés pela sarça ardente, Aquele que É. Vi pelos exemplos ardorosos de sua alma, pelas labaredas de suas virtudes, por sua abnegação e entrega, pelo esquecimento de si mesmo ao pleníssimo amor e serviço a Deus! Para aqueles que têm essa ventura, não há dúvidas que possam obscurecer a “voz misteriosa da graça que fala no interior dos corações”.

Entretanto, há um ponto muito sério a considerar:  Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus” (Mt 5,8). Infelizmente, em contrapartida, muitos são os que não conseguem ver a Deus, por não terem puro o coração… Por mais que o Cura d’Ars fosse santo, era necessário ao menos a reta intenção de ser puro, e também de ser santo, para assim poder vê-lo, e Deus nele.

Tenhamos a esperança fortalecida pela fé para sermos santos a exemplo de São Cura d’Ars. Peçamos isso a Nossa Celeste Advogada, Medianeira de Todas as Graças, rogando especialmente pelo clero e por todos os fiéis. E fazendo uso das próprias palavras de São João Maria Vianney, voltemo-nos a Nossa Senhora com grande confiança e tenhamos a certeza de que, por mais miseráveis ​​que possamos ser, Ela obterá para nós a graça da conversão”.

Corpo incorrupto de São João Maria Vianney no Santuário Cura d’Ars, França – Vatican News

 

Catecismo da Igreja Católica. 11.ed. São Paulo: Loyola, 2001.

Le Curé D’Ars, VIe de Jean Baptiste Marie Vianney. L’Abbé Alfred Monnin. Paris: Charles Douniol Libraire Éditeur, 1861. 539p.

Thomas de Saint-Laurent. O livro da Confiança. São Paulo: Ed. Retornarei. 2019. 93p.

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Santo Afonso Maria de Ligório nos ensina: a oração é mais forte do que todos os inimigos

Santo Afonso diante do Santíssimo Sacramento Catedral da Assunção – Carlow (Irlanda) – Foto: Andreas F. Borchert (CC by-sa 3.0)

Como são preciosas a Deus as nossas orações!

São tão preciosas a Deus as nossas orações que Ele destinou os Anjos para Lhe apresentarem imediatamente as que estamos fazendo. “Os Anjos, diz Santo Hilário, presidem as orações dos fiéis e diariamente as oferecem a Deus”. É este exatamente aquele sagrado incenso, isto é, as orações dos santos que São João viu subir ao Senhor, oferecido pelas mãos dos Anjos. Escreveu o mesmo Santo Apóstolo que as orações dos Santos são como redomas de ouro, cheias de suave perfume e muito agradáveis a Deus.

Santo Afonso diante da Virgem – Acervo Arautos

Mas, para melhor compreendermos quanto valem junto de Deus as nossas orações, basta ler nas divinas Escrituras as inumeráveis promessas que Deus faz a quem reza, quer no Antigo, quer no Novo Testamento. “Chama por Mim, e Eu te ouvirei” (Jr 33, 3). “Invoca-Me e Eu te livrarei” (Sl 49, q5). “Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á” (Mt 7, 7). “Vosso Pai que está nos Céus dará bens aos que lhe pedirem” (Mt 7, 11). “Todo aquele que pede, recebe; todo o que busca, acha” (Lc 11, 10). “Qualquer coisa que pedirem, ser-lhes-á concedida por Meu Pai que está nos Céus” (Mt 18, 19). “Tudo o que pedirdes orando, crede que haveis de receber e que assim vos sucederá” (Mc 11, 24). “Se Me pedirdes alguma coisa em Meu nome, Eu vos darei” (Jo 14, 14). “Pedi tudo o que quiserdes e vos será concedido” (Jo 15, 7). “Em verdade Eu vos digo: se pedirdes a meu Pai alguma coisa em Meu nome, Ele vô-lo dará! (Jo 16, 23). Existem muitos outros textos semelhantes, os quais deixamos de citar por brevidade.

Sem oração não há vitória

Deus quer nos salvar. Entretanto, quer nos salvar como vencedores. Estamos, pois, nesta vida. Achamo-nos em uma guerra contínua, e para nos salvar, temos de combater e vencer. “Sem ter vencido, ninguém poderá ser coroado”, diz São João Crisóstomo. Somos muito fracos e os inimigos, numerosos e fortes. Como enfrentá-los e vencê-los? Tenhamos coragem e digamos com o Apóstolo: “Tudo posso n’Aquele que me conforta” (Fl 4, 13). Tudo poderemos com a oração, por meio da qual Deus nos dará o que não temos. Escreveu Teodoreto que a oração é toda poderosa. Ela é uma; entretanto, pode nos obter todas as coisas: “A oração, sendo uma em si, pode tudo”. E São Boaventura afirma que, pela oração, se obtém todos os bens e a libertação de todos os males.

Os restos mortais de Santo Afonso Maria de Ligório são venerados na Basílica que leva seu nome, em Pagani (Itália) – Foto: Alain Patrick

Dizia São Lourenço Justiniano que, pela oração, construímos uma torre fortíssima, onde estaremos livres e seguros de todas as insídias e violências dos inimigos. São fortes as potências do inferno, entretanto, a oração é mais forte do que todos os demônios, diz São Bernardo e com razão, pois com a oração a alma consegue o auxílio divino, diante do qual desaparece todo o poder das criaturas. Assim animava-se Davi em seus desfalecimentos: “Invocarei o Senhor, Louvando-O; e livre serei de meus inimigos” (Sl 17, 4). Em resumo, diz São João Crisóstomo: “a oração é uma grande armadura, uma defesa, um porto, um tesouro”. A oração é uma valiosa arma para vencer os assaltos dos demônios; é uma defesa, que nos conserva em todos os perigos; é um porto seguro contra toda tempestade; é um tesouro, que nos provê de todos os bens. 

*SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. A oração, o grande meio para alcançarmos de Deus a salvação e todas as graças que desejamos. 19.ed. Aparecida: Santuário, 1987, p.43-45.

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Uma conversão assumida com extraordinário vigor de espírito, a santidade abraçada e levada às suas últimas consequências

Acervo Arautos

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Trabalhar ou rezar?


“Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada”. (Lc 10, 41-42) 


Autor: Douglas Wenner

Comemora-se hoje o dia de Santa Marta, irmã de Santa Maria Madalena e de São Lázaro, o maior amigo de Jesus, o que fora ressuscitado após quatro dias de sua morte, e por quem o Mestre derramou suas lágrimas divinas, as quais cravejaram o leito desta terra, podendo bem ser consideradas mais preciosas que quaisquer diamantes que possam existir.

Não raras vezes, tem-se o costume de denominar de “Marta” alguém que tenha grande aptidão para o trabalho, reservando a via contemplativa para “Maria”. Isso porque, nas Sagradas Escrituras, encontramos a narração do episódio em que Nosso Senhor estava visitando tal família, e enquanto Marta se encontrava absorta nos afazeres da casa, Maria se embebia ininterruptamente das graças emanadas do convívio com o Redentor. Semelhante a essa cena, é possível ouvirmos alguém dizer: “Não posso lhe ajudar agora, pois agora preciso rezar…”. Ou por outro modo, pode sair dos lábios de alguém: “Não tenho tempo para rezar, pois trabalho demais…” Vida contemplativa? Vida ativa? Eis a questão…

Obviamente, devemos sempre realizar algum trabalho, dado ser indiscutível que o labor dignifica o homem. A esse respeito, nos adverte o Apóstolo em sua Carta aos Tessalonicenses que, “quem não quer trabalhar, também não deve comer.” (2Ts – 3,10) Mas também argumentamos pela égide de São Mateus, que “Nem só de pão o homem viverá, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus(Mt, 4-4). Destarte, por mais justificável que possa parecer o motivo, estará alguém dispensado do trabalho ou da oração? O que é mais recomendável fazer, trabalhar ou rezar?

Nesse sentido, explica-nos o Mons. João Clá Dias, Fundador dos Arautos do Evangelho:  “O Divino Mestre diz que Maria escolheu a melhor parte [a contemplação], mas não afirma ter ela agido impelida pelo amor perfeito.”(1)

Contudo, somos chamados a dar a Deus a perfeição de nosso amor, o que temos de melhor: as duas partes, ou seja, tudo! Esse tudo deve abranger todos os nossos pensamentos, palavras e ações, e também nossos desejos, os quais devem ser santos e ousados, visando sempre o perfeito louvor a Deus, seja nos momentos mais corriqueiros do dia quanto nos mais sublimes, fazendo de todos os nossos atos, um louvor contínuo ao Criador.

Também São Bento, o grande Patriarca da Europa, responsável pela expansão da vida contemplativa nesse continente, cujos discípulos muito trabalharam, há séculos já tratara sobre esse tema, deixando claro em sua Regra: “Ora et Labora” (Rezai e trabalhai).(2) Eis a via pela qual devemos caminhar, seguindo ora os passos orantes, ora os laborais, em ambos buscando a maior glória de Deus!

Concorde a isso, também nos ensina Mons. João: “Devemos imitar as duas irmãs. Fazer todos os atos cotidianos com o amor de Maria; mas, como Marta, cumprir nossas obrigações de modo exímio. Porque a vida dos homens tem momentos de ação e de contemplação e, tanto em uns quanto em outros, é preciso ser ‘perfeito como o Pai celeste é perfeito’ (Mt 5, 48)”. (3)

Sejamos ao mesmo tempo Marta e Maria! E fazendo um trocadilho entre esses dois nomes, bem poderíamos dizer “Martíria”, ou seja, martírio! Semelhante à disposição de um mártir, testemunha de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Igreja, entreguemo-nos ao serviço de Deus por inteiro e sem reservas. Isso exigirá de nós não pequeno esforço… Mas, sabendo que a isso somos chamados, confiemos que o auxílio sobrenatural de Nossa Senhora, Rainha dos Mártires, Mãe do Divino e Belo Amor, não nos faltará! Ela foi quem sempre deu tudo. Como a Serva do Senhor, e Mãe nossa, tenhamos a certeza de que seu amparo estará constantemente a nosso dispor!

 

 (1) Mons. João S. Clá Dias, EP. O inédito sobre os Evangelhos. v. VI, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana e São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 236.

(2) São Gregório Magno – Papa. Vida e Milagres de São Bento. Ed. Artpress. 8ª Ed.

(3) Mons. João S. Clá Dias, EP. O inédito sobre os Evangelhos. v. VI, Coedição internacional de Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana e São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae, 2012, p. 238.

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Arquidiocese de Vitória ordena seis novos sacerdotes


 Não fostes vos que me escolhestes, mas eu vos escolhi a vós e vos constitui para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça. ”. (Jo 15, 16)


Autor: Douglas Wenner

Na solene festa do Apóstolo São Tiago, neste corrente ano de 2020, nossa Arquidiocese exulta de alegria! Seis novos sacerdotes foram ordenados hoje, por Sua Exma. Revma. Dom Dario Campos – OFM, na Catedral Metropolitana de Vitória.

Ouvindo o belo cântico do Sicut Cervus – Palestrina, eximiamente entoado pelo coro, os fiéis presentes à cerimônia puderam bem constatar o que contempla o Salmo 41: “Como o cervo anseia pela fonte das águas, a minha alma anseia por Vós, ó meu Deus!”

Assim estavam os neo-sacerdotes: ávidos por beberem dessa fonte de águas divinas, para desse modo servirem a Deus e à Igreja, a exemplo do fervoroso apóstolo!

Aproximadamente sessenta sacerdotes concelebraram a Santa Missa e participaram do Rito de Ordenação, dentre eles o Revmo. Pe. Fernando Bitencourt – EP, quem presenciou as bênçãos derramadas no recinto sagrado, bem como a alegria dos novos presbíteros, cujas fotografias seguem abaixo.

* A foto de capa desta publicação foi obtida do site da Arquidiocese de Vitória-ES: https://www.aves.org.br/noticia/T8QmVxwleycgAicfD8li/Noticias

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Santiago de Compostela, cidade nascida de uma devoção


O cabo Finisterre, situado no litoral da Galiza, era o lugar no qual, para os antigos, terminava a terra conhecida e começava o misterioso e insondável Oceano Atlântico. Muito perto dali, encontra-se um dos centros de peregrinação mais visitados da Cristandade.


Autora Irmã Mariana Arráiz de Morazzani, EP

Santiago de Compostela, o milagroso sepulcro do Apóstolo São Tiago

Santiago de Compostela é um dos raros exemplos de cidade que nasceu graças à devoção de dezenas de milhões de peregrinos. De fato, sua história confunde-se com a das peregrinações, desde que no Campus Stellae (Campo da Estrela), como é chamado o local, foi encontrado milagrosamente o sepulcro do Apóstolo São Tiago.

A vida do santo, uma das mais belas da hagiografia cristã, seria suficiente para explicar por si mesma a imensa atração que suas relíquias têm exercido sobre o mundo católico.

Segundo a tradição, depois de Pentecostes os primeiros discípulos se dispersaram para pregar o Evangelho. São Tiago o Maior era primo de Nosso Senhor e irmão de São João. Foi chamado também por Jesus de o “filho do trovão”, devido a seu temperamento fogoso. Talvez por isso lhe correspondera evangelizar a Península Ibérica, uma das regiões mais remotas do mundo daquele tempo.

Após conturbada travessia marítima, o apóstolo desembarcou na Ria de Arousa e passou sete anos levando a palavra do Divino Mestre àquelas regiões. No ano 44, voltou a Jerusalém, onde foi preso por ordem de Herodes, que mandou matá-lo à espada, tornando-se assim o primeiro mártir entre os apóstolos. Assim o narra o capítulo 12 dos Atos. 

Logo após o glorioso martírio, o corpo do santo foi levado para a Espanha e colocado em um túmulo de mármore. Assim, neste local, foi venerado até o século III. Posteriormente, com as invasões dos bárbaros no século IV, seguidas pelas dos árabes no século VIII, os habitantes do lugar acabaram perdendo a noção de onde se encontrava o sepulcro do Apóstolo.

O campo da estrela

Por volta de 820, ocorreu um fato milagroso que marcou o reinício da história que São Tiago continuaria a escrever da Eternidade. Nessa época, uma misteriosa estrela começou a aparecer acima de um campo por várias noites consecutivas. Um ermitão de nome Pelayo, habitante das redondezas, convencido do caráter sobrenatural do fenômeno, informou o bispo Teodomiro acerca do estranho acontecimento. Este dirigiu-se ao local com todos os seus fiéis e, seguindo o caminho indicado pela estrela, achou o sepulcro de mármore com os restos do Apóstolo. Sobre esse precioso tesouro, Afonso II o Casto, rei das Astúrias, edificou uma igreja e um mosteiro. A partir de então, a devoção ao santo e o culto a suas relíquias se propagou pelo país.

Santiago de Compostela, padroeiro de toda a Espanha

Porém, foi necessário outro acontecimento milagroso para que o Apóstolo se transformasse em padroeiro de toda a Espanha.

Conta a tradição que durante a batalha de Clavijo, em 844, o rei de Leão, Ramiro I, à frente de um punhado de cristãos, mantinha um combate desesperado contra 70 mil muçulmanos. De repente, apareceu um cavaleiro montado num cavalo branco, portando um estandarte com uma cruz vermelha e, misturando-se aos combatentes, arrasou o inimigo. Todos o reconheceram. A partir dai, “São Tiago!” passou a ser o brado de guerra na grande luta da Reconquista, a qual recebeu um novo ímpeto espiritual, sob a proteção do insigne Apóstolo.

A fama de São Tiago transpôs os Pirineus no momento em que as nações da Europa rumavam para uma profunda unidade religiosa e cultural. A partir do século XI, devido especialmente ao incentivo dos Papas e ao apostolado dos monges de Cluny, as peregrinações a Compostela passaram a atrair cada vez mais as populações da Península Ibérica e de outros países.

No início do século XII, o Papa Calixto II concedeu ao lugar um singular privilégio, confirmado em 1179 por Alejandro III na bula Regis aeterni: todos os anos em que o dia 25 de julho, festa do Apóstolo, coincidir em domingo, podem-se ganhar nessa igreja todas as graças do Jubileu. Nascia assim o Caminho de São Tiago ou “rota jacobéia”.1 A Cristandade ganhava, ao lado de Jerusalém e de Roma, um novo centro de devoção.

Peregrinações à Santiago de Compostela

Partia-se em peregrinação para cumprir um voto, pedir uma graça, implorar uma cura ou obter o perdão das próprias faltas. Todavia, era uma empresa cheia de riscos: as feras, os bandidos, o longo caminho a percorrer, o cansaço. Os peregrinos agrupavam-se em enormes colunas para se protegerem mutuamente. No decorrer do tempo, foram estabelecidas quatro vias principais, com hospedarias, hospitais, pontes, calçadas, cruzes e igrejas espaçosas. O fiéis podiam dessa forma encontrar tudo quanto era necessário para o cuidado dos corpos e das almas durante suas peregrinações. Cada ponto do percurso dava ao peregrino a oportunidade não só de descansar, mas de venerar uma relíquia, rezar diante de uma imagem, conhecer o relato de algum milagre, antes de ser acolhido por São Tiago, em Compostela.

Naquela época, a Igreja, ao estender sua mão pacificadora e cheia de doçura no Caminho de São Tiago, povoou a Europa de maravilhas. Erigindo  assim edifícios com as belezas austeras da arte românica e a luminosidade radiante do gótico. O fervor religioso, servindo de ponto de contato espiritual entre os povos europeus, fez com que todos se sentissem solidários na mesma Fé.

Hoje, por fim, transcorridos vários séculos, peregrinos do mundo inteiro enchem cada verão as rotas jacobéias. E, chegados à imponente Basílica, acorrem logo a rezar ante as relíquias do Santo e a dar o tradicional “abraço” à imagem que se venera no altar-mor.

* Texto publicado originalmente na Revista Arautos do Evangelho – n. 11, em Novembro de 2002 (p. 49 à 51).

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